Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 25 de março de 2011

Uma carta qualquer

Com uma carta de alforria na mão, estar
Sem nada que fazer com ela ter,
Não valeu o esforço do desacorrentar,
Se ao desconhecimento se venha a votar.

É preciso que ela seja tomada por alguém,
Lida e rasgada ou prendida e considerada.
E não ser mantida como coisa de ninguém,
Ou dum pertencente de sociedade sem camada.

Qualquer perna é perna, diz o pardal,
Então toda a carta de alforria liberta,
Porém, nunca é útil para o próprio mal,
Perpetrado por gente que se arma em esperta.

Se talvez não devesse optar por esse tipo de carta,
Então é mesmo a alforria que devia recusar.
Valeria mais ser escravo do que vadia liberta,
Ser um recurso, ainda que em mim não se apostar!

Amália Faustino Mendes, 28 de Outubro de 2010

Um nada a qualquer tempo

Toda a carne é como a erva;
Nenhuma se identifica ao mineral,
Nem a da mais valorosa serva
Permanece em ouro no beiral.

Seca-se a erva e cai a sua flor;
A carne imobiliza-se a fundo,
Desfazendo-se no meio da dor
E da insensibilidade do mundo.

A queda da flor leva o fruto,
Em embrião ainda asfixiado,
E o feto, numa luta em bruto,
Vê-se no relevo do ventre esfriado.

Qualquer delas à terra retorna
Sem se confundir com a pedra
De dimensão arrojada que a orna,
Forrada de cetim cor de cidra.

Pressentida a afluência da efemeridade
Da carne, da erva (da vida) no mundo,
Impõe-se a formatação da perenidade
Pressurizando a consciência a fundo.

Amália Faustino Mendes, 8 de Novembro de 2010

Efemeridades

Um triz é o que corresponde o fôlego
Com que se oxigena o cárcere do ego
Se arma, bactéria, ou um minúsculo vírus
Abalroarem o motor de quaisquer gurus!

Com a cabeça cheia de planos, chega-se à meta,
Ainda olhando, de soslaio, o percurso e a partida,
A lembrar, duma vez, quão curta foi a estada,
Que nem os avanços tecnológicos deram guarida.

A tafofobia prossegue em termos lógicos,
Sem a certeza de se estar em vida ou na morte
Seguindo, com aparência de ubiquistas loucos
Que não temem enfrentar um zurzidor de porte.

Agora, e não sempre, se actua na moda assim:
Se tem contas de ubiquista ela é ajustada, sim
E não tem talho, ainda que se fica sem ar,
Nos pulmões nunca estupefactos fora do bar!

E assim se somem e se consomem os gajos,
Cujos bens materiais ficam em despojos,
Excedentes de um e de outro, sem cortesia
Permanecem em perfeita e idêntica paralisia!

Só se conhecem os destinos de cada qual,
Mas fica-se por saber em que esbulhos de capital
Se deduz a causa do perecimento do danado
Que, mesmo sem habilidade, se salvou a nado!

Sempre se fica a saber que alguém termina,
Num porém curioso, fica sempre incógnito,
O passo do malfeitor que não se determina,
E de propósito, o pilim se mantém em recôndito.

E a história se repete e se estende variada,
Instalando-se umas tantas e outras, até com piada,
Porque o zurzidor indaga antes como se prefere,
Se com anestesia ou sem ela que a vitima adere.

Se a opção tarda, eis que a paciência se esgota,
É então que se pode enxergar a cor da gota
Para além da trauma de consciência esvaída,
Que se elucida durante a contabilidade da caída.

Jorros de água e sangue sempre ou quase,
Com um espectro de insegurança e medo
Trauma e tremor indeterminados, na base
Segue-se, sob ameaça de um enorme penedo.

Quando assim, armas até aos dentes se exibem
Amedrontadas e tementes aos que não o ilibem,
Mesmo em caso de defesa de preciosidades
São situações que interessam apreciar as idades.

Discutindo sobre a legitimidade do acto defensável,
Estando em jogo a disputa do direito indispensável
A intransigência preservativa que só instala o alarido
Entra em cena na defensiva do herói como vítima ferido.

No mundo em espiral, a esperança mantém-se viva
Num dia diferente, do alto nível, pode-se cantar viva,
Distintas audiências, diferentes visões, realidades,
Realizações em medidas, mocidade, idades, felicidades!

Amália Faustino Mendes, 10 de Novembro de 2010.


Mundo em pena

É penoso ver pagar entes
Por actos de outras mentes
Que em tempos remotos
Semearam venenos a lotos.

Se a lotos andam em jogos
O presente é ganho a fogos
Que o tempo dribla em nó
Num futuro afundado sem dó.

Humanidade desregra-se
Vem o mal e perpetra-se
Trepando-se a olho nu visto
Na terra cheia com quisto.
Sol luze, mar fumega, terra racha
Com o céu em poder mancha
Gotas mil vêem-se em derrame
Range tudo e todos a leme.

Confirma-se em tudo a atolada
Ladeira e corpos em derrocada
Víveres, pedreiras em barreira
Imparáveis ao azul vão à abeira.

Pesadas vacas bóiam sem rumo
Árvores, de raiz em flor, acenam
Aves vêem, esvoaçam e rodopiam,
De seus peitos palpitantes, sai fumo!

Peixes de barbatanas em leque
Ginasticam no turbilhão da água
Que, prepotente para que nada fique,
Para lá arrasta, extinguindo a mágoa!

O mar, sem tempo para acatar as algas
Desertou seu fundo que se manifesta piegas
Indicando vias cruas e nuas pelo toque
Onde os seres se encontram em desfalque.

A Terra, essa deixa-se descompor
Tornados formam-se para transpor
As barreiras fronteiriças artificiais
Cortando aldeias e densos pinhais.

E no rasto da destruição se nota
Telhados voados já sem conta
O que torna evidente a falta de cota
Na reunião deve-se mas não se vota.

Queda do orçamento e plano desfeito
Afrontas iguais, pobres e os sem jeito
Os menos ricos sofrem a dor do peito
Bolsas, bolsos e contas vazias, sem leito.

Amália Faustino Mendes, 10 de Janeiro de 2011

1 comentário:

  1. Experimenta comentar este poema. É uma forma de melhorar a minha escrita criativa

    ResponderEliminar