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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Festa de cinzas ou carnaval?



Chegou o carnaval e com ele a folia e o excesso da comida adoptada pelos ilhéus cabo-verdianos.
O meu país fica dividido nessas duas facetas: grupos que mais aderem ao excesso, dentro da cultura, e grupos que mais apreciam a diversidade da cor dos alimentos a ingerir.
Se por um lado no barlavento (as ilhas do norte de Cabo Verde) sua gente opta por organizar grupos carnavalescos bem arquitectados que ensaiam e saem às ruas, sarracoteando nus, semi-nus e excedidamente bem vestidos, no sotavento, onde, também, já se nota a opção pelo festejo do carnaval, devido à facilidade de entrosamento entre as pessoas de diversas ilhas na capital do país em Santiago, onde estou, a adesão à fartura é ainda a dominante. Os mercados de comida ostentam alimentos doces e salgados e verduras de todos os tons, sem deixar de fora convites do vermelho dos tomates e laranja das laranjas e cenouras. Peixes secos, de um salgado exagerado, exalam a metros de distância. O açúcar, retornado das grandes panelas, são trazidos com o nome de mel de cana, cujas gotas participantes não passam de uma dezena. No entanto é "mel de cana" para pôr com cuscus. Ouço as mulheres que o vendem a pregoar: "nha kumpra! Nha toma prova li". E a vendedeira lança, numa colher, umas gotas castanhas que diz ser o melhor mel do ano. Ao lado dela, tantas outras a competirem por melhor venda, cada qual com os melhores slogans.
Noutras partes do mercado, pessoas roçam em mim, porque têm que passar também, a vender ou a comprar. Eis que sinto umas que me dão cotoveladas a solicitar "nha cumpra salsa, sta fresku!"; "nha leba Koentro, sta baratu!" "Nha bai ku mi, pa nha kumpra-m pexi, n tene atum gordo, txitxarru fresku, garoupa baratu, serra salgado..."; "hey, nha fregueza! Oji nha ka ta nogôsia ku mi? Nha odja kôvi nobu, banana verde ku madur... "
É comigo que ele vai negociar, porque tenho xerém e farinha de milho, leite de vaca dormido e essas coisas próprias para a festa de Cinza. A minha prima aqui tem o melhor mel, feito de cana de açúcar e não de açúcar refinado queimado.
No entanto, eu já tinha comprado muita coisa. Os sacos cheios já pesam e a coluna vertebral verga de um lado e doutro. E era como se eu tivesse uma casa de gente para fartar. Que cisma! Estou sozinha em casa!!!

E não é só da fartura que se vive no dia de cinzas,. As próprias cinzas resultantes da queimada de folhas de coqueiro utilizadas e abençoadas na missa de domingo de ramos do ano anterior são cruzadas na testa de cada católico presente na missa de quarta feira - o dia de Cinzas - em todas as igrejas e capelas.

E eu que assisti a missa no pátio da capela de S. Filipe, pude constatar um discurso ecuménico bastante agressivo, cheio de teoria que se opunha a práticas de exagero a todo o custo nos primeiros dias de quaresma. Era um discurso apelativo bem forte que interpelava os fiéis da igreja católica a reflectirem sobre a desnecesidade de esbanjamento em comida e dinheiro, em detrimento de sua partilha com o próximo.
 
À semelhança do que se faz para tomar a hóstia da comunhão, as pessoas punham-se em fila indiana e dirigiam-se ao pároco. Uma diferença é que so deve comer a hóstia, quem tivesse s limpado dos pecados, através da confissão. E para receber a cruz de cinzas na testa, bastava chegar perto do pároco que a colocava.  E lembro-me de ter visto levantar do banco homens, mulheres e crianças dos seus assentos e momentos depois regressavam a eles com uma cruz preta de espessura do dedo do padre.
Resolvi ir também colocar a marca na testa. Era a marca de presença na missa, mas representava o acordo com a igreja, aceitando consumir menos e em alimentação, gastar pouco, em relação a outros anteriores dias. O mais importante de tudo era partilhar com o próximo a parte do que se propõe não gastar.

Amália Faustino Mendes

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